Uma relação na qual o equilíbrio é tudo

Artigo de Rolando Martiñá (*)
Publicado no Educarede - 14/06/2010

Desde o princípio dos tempos, a tecnologia esteve ligada a vínculos. Em geral, a vínculos dos seres humanos com o exterior e, em particular, com essa parte tão especial do exterior que são os outros seres humanos. Porque a tecnologia é mais uma das manifestações do impulso básico do homem para ir mais além: de poder mais, de saber mais, de comunicar-se mais, de interferir mais.

Sempre desejamos intensamente experimentar o que J. Piaget chamou de "prazer de causar", ou seja, de sentir-se potente, influente, necessário, capaz…ativo e não passivo, agente da existência. E a tecnologia – desde a primeira pedra lascada até o raio laser – permite, facilita e amplifica isso. Ela nos dá mais força do que nossos músculos, mais vista do que nossos olhos e mais audição do que nossos ouvidos.

Claro que, como ocorre com todos os recursos de que dispomos, essas imensas possibilidades podem ser usadas – e já foram usadas – para diversos fins: com a mesma pedra lascada se constrói um utensílio ou se fratura um crânio. Um cavalo domesticado serve para aproximar uns aos outros ou para distanciá-los. Uma palavra – recurso tecnológico por excelência da espécie – emociona ou fere, aproxima ou distancia, conecta ou desconecta. Assim foi, assim é e nada nos faz pensar que vai deixar de ser no futuro.

Também é certo que, especialmente desde meados do século passado, o avanço foi tão diversificado e vertiginoso que resulta difícil se adaptar ou conseguir que esses novos e múltiplos recursos sejam usados a nosso favor e não se convertam em uma ameaça para nossa sobrevivência e/ou bem-estar. Sabendo, contudo, que o progresso humano sempre foi paradoxal: o mesmo que ajuda pode prejudicar, e desse prejuízo, frequentemente, pode-se aprender…e assim seguindo. Como disse P. Watzlawick, "para as coisas humanas, não há soluções definitivas"…e devemos estar preparados não só para resolver os nossos problemas, mas também os que surjam de nossas soluções.

Como a maior preocupação nesse tema está relacionada à influencia das TIC na vida dos jovens, devemos começar esclarecendo que, como diziam os antigos gregos, "nada em excesso é bom". Portanto, não é conveniente que uma pessoa, independentemente da idade, permaneça o tempo todo conectada com um objeto qualquer e não possa se desgrudar dele. Esse exagero na dependência revela condutas de fascinação pelo objeto, mas não só isso: diz muito também do sujeito, do significado do seu vínculo com o objeto e, sobretudo, dos outros vínculos de sua vida. E, em qualquer um dos casos, é necessário lidar com isso.

Contudo, em termos gerais, a imagem de uma criança, concentr@da em seu Ipad, seu celular ou chat, não me parece "a priori" uma imagem de alienação, de isolamento…estão construindo um mundo próprio, "seu" mundo, a partir de seus interesses e do que deverão viver. Talvez estejam desconectados de nós, mas não entre eles, com as coisas que lhes interessam; estão sim, provavelmente, fugindo de seus pais, como nós, quando pequenos, escapávamos para a rua antes de terminar a lição de casa para jogar bola. Mas, no meu entender, não há razões para supor que os adolescentes de outras épocas (ver Aristóteles, séc. IV aC) ou Santo Agostinho (séc. IV dC, por exemplo) tinham um desejo incontrolável de se comunicar com os adultos, seguir seus ensinamentos ou cumprir suas normas, ao contrário dos jovens atuais. A diferença é que estes dispõem de mais recursos.

Se tivesse que me basear em minha experiência pessoal, não tenho dúvidas: amo a tecnologia e as possibilidades que ela oferece. A tecnologia modificou a minha vida pessoal e profissional (a qual ultimamente inclui, por exemplo, a psicoterapia on line por meio do Skype) e, sobretudo, enriqueceu minhas possibilidades de contato, comunicação e ajuda mútua com pessoas queridas que estão distantes. Sem mencionar a participação ativa em comunidades virtuais como esta que nos acolhe, com tudo o que isso implica.

Na realidade, não creio que – salvo os excessos mencionados – as TIC atentem contra os vínculos interpessoais "per se", ainda que sim exijam adaptações a novas formas, ritmos e códigos. Em vez disso, pode-se suspeitar que, em muitos casos, os vínculos interpessoais da geração dos meus avôs – começando pelo parceiro e pelos familiares no geral – não eram muito mais transparentes, sinceros e respeitosos em relação à autonomia do que os atuais. Mas sabendo das dificuldades que o tema costuma gerar, não quero deixar de me referir a dois aspectos mencionados habitualmente: os riscos do individualismo e o risco do consumismo.

O risco do individualismo
Ao se referir ao tema do individual e do coletivo, costuma-se produzir algumas confusões. Por exemplo: se falamos de associações de indivíduos que escolhem estar juntos para levar adiante objetivos comuns, isso nunca ocorreu mais que agora em toda a história da humanidade. No real e/ou virtual. Trata-se de parceiros ou de ONGs. Se nos referimos, ao contrário, a pessoas que nasciam no seio de coletivos preexistentes sumamente estruturados e estáveis no tempo (tribos, famílias, clãs, grêmios, vizinhanças) e ali permaneciam indefectivelmente durante toda sua vida, essa situação durou milhares de anos e mudou radicalmente há só um ou dois séculos.

A humanidade avançou do menos autônomo ao mais autônomo; do mais indiferenciado ao menos indiferenciado; do mais fechado ao mais aberto. Ainda que sempre se mantenha algum grau de tensão entre ambas as forças. E há a tentação de regressar ao seguro, quando os riscos de avançar parecem muito grandes. E esta parece ser muitas vezes, e para muitas pessoas, a situação atual. De qualquer modo, o processo de individuação, no desenvolvimento da espécie e em cada pessoa, parece inexorável. Nenhuma espécie viva oferece – deveríamos dizer que afortunadamente - o grau de diferenciação e identificação dos membros como a humana. E é preciso lidar com os problemas que isso apresenta, mas sempre lembrando que primeiro se inventou o automóvel e depois as regras de trânsito.

O risco do consumismo
Em relação ao consumo, poderíamos ir pela mesma direção: desde que o primeiro carnívoro pintou sua caverna até as galerias de arte ou os shoppings atuais, sempre interessa aos seres humanos produzir novidades e intercambiar objetos para a sobrevivência. Objetos de expressão, de diversão, de ornamentação, de sedução; vestimentas, jóias, artesanato, detalhes característicos que também estiveram historicamente ligados ao processo de individuação mencionado antes. Desde as feiras medievais até os mercados globais da atualidade, a diferença é de grau e não de princípio. Uma vez satisfeitos em relação a alimentação e abrigo, desejamos outras coisas. E, por outra parte, se as pessoas só produzissem, vendessem e comprassem o estritamente necessário para sobreviver, milhões de pessoas (três vezes mais do que há cem anos!) ficariam totalmente sem trabalho. Parece-me, então, que aqui também, mais que ansiar supostos paraísos, é preciso ir resolvendo os problemas à medida que a evolução os faz aparecer.

De fato, a oferta hoje é mais ampla, variada e sedutora do que nunca e isso requer – sobretudo no caso de crianças e adolescentes – uma intervenção adulta que previna e/ou limite a tendência ao excesso que também nos acompanha desde sempre. Intervenção que será, em minha opinião, mais efetiva, na medida que contenha menos advertências apocalípticas e mais apelações ao equilíbrio e à racionalidade.

"Nada em excesso" deveria ser um lema inalterável para as crianças e na educação delas. Também deveria ser o princípio de que, ao se gastar mais do que se produz, tarde ou certo, irá a falência. A vida está cheia de oportunidades e ameaças e, se passamos o tempo todo se queixando das segundas, não aproveitamos as primeiras. Sempre se baseando na profunda convicção – comprovada uma e outra vez na tarefa clínica – de que, embora às vezes pareçam entrar por um ouvido e sair por outro, os exemplos e as advertências saudáveis dos pais – se são feitos com amor e inteligência – sempre deixam sua marca na mente e coração dos filhos.

"El mito de la adicción a Internet", Manuel Ángel Méndez, El País, Espanha, 27/05/2010


*Rolando Martiñá, pai de dois filhos e avô de quatro netos, é Professor Normal Nacional, Graduado em Psicologia clínica e educacional. Realizou estudos de pós-graduação em Orientação Familiar, convênio Fundación Aigle- Instituto Ackerman de Nueva York. É membro do Programa Nacional de Convivência Escolar (Ministério da Educação da Argentina). Conselheiro familiar e de instituições educativas. Autor de Escuela hoy: hacia una Cultura del Cuidado, Geema, 1997; Escuela y Familia: una alianza necesaria, Troquel, 2003; Cuidar y Educar, Bonum, 2006 e La comunicación con los padres, Troquel, 2007. E-mail de contato: rmartina@fibertel.com.ar

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