Escolas vão se parecer cada vez menos com escolas

Por iniciativa da Fundação Qatar pelo Desenvolvimento da Educação, Ciência e Comunidade, cerca de 1.000 pessoas de 50 países encontraram-se entre os dias 16 e 18 deste mês (novembro) em Doha, capital deste curioso país do Oriente Médio. O grupo, formado por educadores, pesquisadores, gestores públicos e privados, refletiu sobre aspectos ligados à inovação na educação no evento cujas iniciais em inglês formam a palavra WISE (World Innovation Summit for Education).

Do Brasil, participaram, entre outros, MEC, FNDE, UnB, Museu da História Nacional, Fundação Banco do Brasil, Oi Futuro, Cidade Escola Aprendiz, AlfaSol, Educafro, Positivo e Hughes Brazil. Esta última foi uma das seis organizações premiadas, por seu projeto de inclusão digital no Amazonas, desenvolvido para o governo do estado. A cerimônia de premiação, em grande estilo, contou com a presença da primeira dama francesa Carla Bruni, além da Rainha Sheikha Mozah Bint Nasser Al Missned, promotora do evento, e outras autoridades.

A iniciativa da Fundação Qatar, presidida pela Rainha, insere-se no projeto político que está sendo intensamente promovido nos últimos anos de diversificar a economia, criando alternativas ao petróleo. Como consequência desta política, que inclui até uma massiva campanha para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2022, a população do país dobrou em tamanho nos últimos cinco anos, chegando agora a 1,5 milhão de pessoas, o que tornou o inglês a língua franca.

Pluralismo

Um país em que homens e mulheres usam longos vestidos e lenços que os cobrem dos pés às cabeças, sendo eles de branco e elas de preto, convive agora com mais da metade da população vinda de outros países com os usos e costumes do chamado mundo moderno. O pluralismo implica o respeito à diversidade de costumes, culturas e religiões. Mas, implica também, e isto foi enfatizado por palestrantes de todas as cores e roupas, promover a educação escolar de qualidade para todos, com especial atenção às mulheres.

Aqui nos encontramos diante de desafios importantes. Muitos seguiram a recém-empossada diretora geral da Unesco, Irina Bokova, na defesa da universalização da educação escolar como instrumento prioritário para a democracia e a cultura de paz. A agenda mundial “Educação para Todos”, que reduz a educação à escolarização, está longe de ser atingida: 75 milhões de crianças ainda estão fora da escola e nos países onde a universalização escolar foi garantida, o aprendizado não se comprovou. No entanto, palestrantes como Katy Webly, da Save the Children, citaram pesquisas que mostram que cada ano de escola aumenta a renda familiar e melhora as suas condições de vida e saúde. No caso das mulheres, o número de filhos diminui à medida que aumenta sua escolaridade; já em relação aos homens, os anos de escola diminuem a probabilidade de eles participarem de conflitos violentos e se envolverem com a criminalidade.

O desafio está em transformar a escola, instituição do ocidente moderno, em espaço de promoção do pluralismo ou, ainda melhor, como alguns disseram, de inclusão das diferenças, da construção de um novo conhecimento e uma nova cultura voltada para a paz e o respeito. Há que se perguntar: será possível este monumento da cultura ocidental se tornar esta instituição universalmente promotora da democracia? Não estaria justamente em seu aspecto autoritário a razão de milhões de crianças e jovens dos diversos países não se sentirem motivados a frequentá-la e milhões de pais não a valorizarem?

Certo é que para se tornar esta instituição promotora da democracia, a escola precisa se transformar. O sentido desta transformação foi definido por vários painéis: maior envolvimento entre escola, comunidade e família. Iman Bibars, vice-presidente da Ashoka, enfatizou a importância deste tema em regiões como a do mundo árabe, que tem 65% de sua população com menos de 25 anos de idade. A seu ver, as políticas públicas devem promover o envolvimento dos estudantes com sua comunidade pela articulação de parcerias com a família, as empresas e organizações da sociedade civil.

Steve Moss, diretor estratégico da Parnerships for Schools relatou o programa inglês chamado Buiding Schools for the Future, que prevê a reconstrução total de 3.500 escolas de ensino médio até 2020, de modo a torná-las espaços que inspiram a sociabilidade, a curiosidade e a experimentação. Mas o ponto focal do projeto é tornar a escola central na vida comunitária, ali sediando bibliotecas, serviços sociais e outros equipamentos públicos, de modo a fazer com que pais e vizinhos a frequentem.

Sustentabilidade

A reconstrução dos prédios escolares passa também por torná-los ambientalmente sustentáveis. Mas, não se reduz a isso o tema da sustentabilidade na educação. A agenda verde foi defendida por muitos: redução dos impactos ambientais, do consumo de água e das demais ações que estão causando as mudanças climáticas e agravando a fome e a miséria em diversas partes do mundo. A educação exerce aqui importante papel, uma vez que esta agenda é dos governos tanto quanto das sociedades civis: trata-se de promover os valores da sustentabilidade entre as populações, como foi enfatizado pelo ex-chanceler alemão Gerhard Schröder.

A sustentabilidade na educação passa ainda pela garantia do desenvolvimento de habilidades, atitudes e talentos e pela abertura de oportunidades aos jovens.

Inovação

Claro que para enfrentar tantos desafios a educação não pode ser reduzida à escolarização. É preciso realmente pensar de forma inovadora. E é a isso que se propõe Sugata Mitra, professor indiano da Universidade Newcastle, no Reino Unido, que inspirou o filme “Quem quer ser um milionário?”.

Mitra relatou suas pesquisas dos últimos dez anos intituladas “The Hole in the Wall”. Basicamente tratou-se de instalar um computador em uma parede em favelas na Índia e outros lugares onde ninguém conhecia computadores. Sem qualquer instrução, em poucas horas as crianças, que não sabiam sequer inglês, aprenderam sozinhas a surfar na Internet. Três meses depois, elas já estavam usando os diversos recursos do computador: processador de texto, jogos, e-mail, músicas e instrumentos de busca.

O mesmo experimento não produz os mesmos resultados em escolas porque ele depende de ambientes onde as crianças estão livres para brincar e interagindo, compartilhando o mesmo equipamento e as suas descobertas. Com os recursos digitais adequados e liberdade para explorar, as crianças atingem os objetivos educacionais esperados sem supervisão. Isto foi comprovado em experimentos do mesmo tipo com inglês, artes e álgebra. A última fase da pesquisa demonstrou que não há limites para o aprendizado neste contexto – as crianças a rendem do básico à biotecnologia.

Em consequência, Mitra passou a se dedicar à criação dos SOLE (Self Organized Learning Environments). Nestes ambientes virtuais, avós americanas voluntárias, por exemplo, ensinam inglês para crianças indianas pelas câmeras e microfones dos computadores. Por que avós? Porque elas admiram o processo de aprendizado e é só disso que as crianças precisam. Outros projetos incluem a formação de mediadores, que supera a ideia de professores ensinando um conhecimento do qual supostamente seriam depositários. O criador do Twitter, Biz Stone, trocou cartões com Mitra, manifestando seu interesse em utilizar as ferramentas que desenvolve para espalhar SOLES pelo mundo.

Depois de tantos e intensos debates, uma conclusão possível é que pensar a educação de forma inovadora passa necessariamente por promover ambientes de aprendizado plurais e sustentáveis, sejam eles escolas ou não. Mas, certo é que nos próximos anos as escolas vão se parecer cada vez menos com escolas.




*Helena Singer viajou ao Qatar a convite da Fundação Qatar. É socióloga com pós-doutorado em Educação, diretora pedagógica da Associação Cidade Escola Aprendiz.
Artigo pubicado no Portal Aprendiz

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