Regina de Assis fala sobre os exageros de alguns desenhos animados

Veja abaixo entrevista concedida pela educadora e pesquisadora Regina de Assis à revista Nova Escola em 2007 sobre o fascínio que a TV exerce nas crianças. Para ler e refletir!

"Assistir desenho animado na TV pode ser perigos para as crianças porque a maioria deles distorce conceitos e abusa da violência", diz a educadora Regina de Assis

Por Araci Queiróz
A TV é boa ou má? Poucas pessoas são capazes de explicar tão bem o fascínio que ela exerce sobre as crianças de 4 e 5 anos quanto Regina de Assis, presidente da Multirio, a produtora de mídias da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Segundo a mestra e doutora em Educação, só entre 3 e 6 anos (quando os pequenos estão constituindo o conhecimento acerca de si próprios) a televisão pode ser considerada inimiga. "Nessa fase, tudo é determinante na definição de papéis. E alguns desenhos animados são extremamente violentos", diz. Consumo, sensação de autonomia e abuso de liberdade também são ingredientes negativos de alguns programas. Mas há luz no fim do túnel. Na entrevista a seguir, Regina sugere o que ver na TV aberta e a cabo.

Por que as crianças amam televisão?

Regina de Assis
Porque ela é lúdica. A criança suspende facilmente a relação com a realidade. Todo o tempo ela mescla fantasia e imaginação com o mundo real. Pesquisas mostram que é insuportável para ela viver o tempo todo ligada à dura realidade das coisas. E isso vale também para nós, adultos, o que explica por que gostamos de ver a novela ou ler um romance. Mas a criança gosta de ver televisão porque tem necessidade de brincar.

O que a televisão pode acrescentar na faixa dos 4 aos 6 anos de idade?
Regina
Aqui, no Brasil, os bebês vêem TV no colo da mãe. Mas só a partir dos 3 anos as crianças começam a aproveitá-la de forma interessante. Até os 6 anos, meninos e meninas estão constituindo um conhecimento acerca de si próprios: a identidade de gênero e étnica. Nessa faixa etária, a TV é importante como um elemento de constituição de identidade. Também é crucial para a percepção de como se dão as relações sociais, as relações com outras crianças, os adultos e o mundo em geral. É nesse momento que a elas começam a entender que a vida é pautada por códigos.

E que mensagens os programas passam para as crianças?

Regina
Infelizmente, a maioria deles distorce conceitos. Em primeiro lugar, porque abusa da violência. Muitos desenhos animados são extremamente violentos. Na 4ª Cúpula Mundial de Mídia para Crianças e Adolescentes, realizada em 2004, no Rio, os adolescentes fizeram uma carta pedindo que nós, adultos, resolvêssemos os conflitos de violência sem usar mais violência. Percebemos que, do ponto de vista deles, o melhor são as soluções criativas.

Se as crianças gostam de fantasia, por que ficam vidradas em programas violentos?
Regina
Porque eles abordam outras questões que as interessam. As crianças adoram Power Rangers porque a maioria dos heróis é masculina e, nessa idade, o pai ganha importância na vida delas. Outro atrativo é a luta entre o bem e o mal. A criança precisa de histórias que falem disso. O problema é que o fio condutor é sempre a violência. O desenho não apresenta outra alternativa para lidar com conflitos.

O que mais a senhora critica na programação infantil?
Regina
A tendência a ridicularizar os adultos, como vemos em A Vaca e o Frango e As Meninas Superpoderosas. As meninas não são apenas poderosas, são superpoderosas. Isso as coloca num patamar irreal de autonomia, numa posição de abuso de liberdade. Esses programas rejeitam um aspecto natural da vida, que é o tempo de amadurecimento para chegar à juventude, à idade adulta e à velhice. Além disso, a programação infantil apela desvairadamente para o consumo. Não trata a criança como um cidadão em processo de desenvolvimento, mas como um consumidor atuante. Pesquisas mostram que as crianças são mesmo as melhores compradoras: não só de brinquedos, mas também de comida, de eletrodomésticos, até de carros. Elas exigem que os pais comprem. Nos países da Escandinávia, na Inglaterra, na Alemanha e no Japão, os comerciais são totalmente proibidos no horário infantil. No Brasil, infelizmente, ainda não há uma regulamentação sobre isso. Nem sequer uma classificação indicativa que oriente os pais sobre o que é apropriado para cada faixa etária.

As crianças também vêem muita programação adulta...

Regina
Em 2005, uma pesquisa do Ibope apontou o que as crianças mais gostavam de fazer nas férias. Não era brincar na rua, jogar futebol ou ir à praia. A diversão predileta era ver Senhora do Destino e Zorra Total. Ora, o que esses programas agregam a crianças que estão definindo sua identidade? Nada. Ao contrário, eles têm um impacto negativo enorme. Banalizam o consumo, a sexualidade, a violência e os relacionamentos familiares e sociais.

Existem bons programas infantis na TV brasileira?
Regina Na TV aberta, o Sítio do Picapau Amarelo, da Globo, e Castelo Rá-Tim-Bum e Cocoricó, da Cultura. No cabo há mais alternativas. O canal Discovery Kids exibe O Divertido Mundo de Peep, que lida com a questão da diversidade e conta a história de um quarteto de bichinhos que vive aventuras em várias partes do mundo. Outro bom desenho, do Nickelodeon, é As Pistas de Blue, uma narrativa muito singela de uma cadelinha azul em que um rapaz dialoga com o telespectador, fazendo perguntas estratégicas para que a criança se envolva e converse com a televisão.

Como usar a mídia como uma ferramenta pedagógica?
Regina
Explorando o aspecto lúdico nas práticas pedagógicas, mas não substituindo a experiência real pela virtual. Um recurso comum (e eficiente) é apresentar um filme, depois contar a mesma história num livro, convidar à reescrita e trabalhar com recortes e colagens. Assim, a criança adquire a experiência concreta. Entre 4 e 5 anos, ela tem especial curiosidade sobre a natureza. Quer descobrir como o pintinho sai do ovo, como o bebê sai da barriga da mãe, como entrou lá. Por que não mostrar isso com documentários? Não é só cineminha na sala de aula, mas uma oportunidade de passar aspectos científicos desse conhecimento, com imagens em movimento. É importante lembrar que a concentração nessa fase é de, no máximo, 15 minutos.

Fonte: Nova Escola

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