Recomendação sobre Educação para a Literacia Mediática do Conselho Nacional de Educação de Portugal

”( …) a literacia mediática é uma questão de inclusão e de cidadania na sociedade da informação de hoje (…) evitando ou diminuindo os riscos de exclusão da vida comunitária” [1]                      
                                              
1. Preâmbulo
Esta Recomendação impõe-se pela omnipresença e importância que os media têm tomado na nossa vida individual e colectiva, sobretudo depois do extraordinário desenvolvimento das Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação (NTIC).
A invenção da imprensa, ao tornar o texto escrito infinitamente multiplicável e acessível a todos, fez da leitura e da escrita aprendizagens fundamentais, quase na origem da própria escola. As invenções tecnológicas actuais conduzem a mudanças igualmente radicais na educação e na escola.
A Educação para a Literacia Mediática é, pelo menos, uma primeira aproximação a essas mudanças.
Talvez seja justamente, nesta época de contenção financeira, passada a fase do ênfase tecnológico e garantido, apesar de tudo, o apetrechamento indispensável das escolas, que se possa parar para pensar e criar oportunidades de formação adequada quer às novas exigências quer às novas possibilidades criadas.
Apesar de outras preocupações porventura mais urgentes e mais dramáticas, parece-nos oportuna esta Recomendação, por razões externas e internas:

1.1 - Razões externas
A Comissão Europeia propôs aos países membros[2] que se debruçassem sobre como dar à literacia mediática um lugar de destaque nas escolas. Desde 2007 (ver Anexo 1) tem vindo a emitir Declarações, Recomendações e Directivas no sentido de se incluir a “literacia mediática nos currícula escolares a todos níveis” (Rec. Da Comissão das Comunidades Europeias de 20/8/2009).
Muito recentemente a UNESCO publicou um currículo para a Literacia Informativa e Mediática para professores e tem em preparação um documento sobre os indicadores de Literacia dos Media e da Informação.

1.2 - Razões internas
Como o revela o Relatório do GEPE “Modernização Tecnológica das Escolas 2009/20010”, fizeram-se em Portugal progressos extraordinários no apetrechamento tecnológico das escolas.
Parece-nos importante e indispensável acompanhar esse apetrechamento tecnológico de uma preparação, de uma formação, que permita aproveitá-lo e rentabilizá-lo de forma a traduzi-lo numa verdadeira literacia, sob pena de todo esse esforço ter sido em vão, tendo-se muito equipamento mas não se sabendo dominá-lo e utilizá-lo de forma crítica e responsável.
Por outro lado, estão em curso ou em preparação alterações curriculares que vão no sentido da redução de custos, de professores, de disciplinas, de áreas curriculares não disciplinares e de aprendizagens transversais. Parece importante chamar a atenção para o facto de haver hoje aprendizagens fundamentais que requerem uma abordagem mais reflectida e aberta do currículo.
O interesse renovado por este tema deve-se, entre outros factores, ao facto de a revolução digital em curso ter entrado numa nova fase, ultrapassando-se o deslumbramento tecnológico e recentrando as necessidades de formação para um uso crítico e esclarecido dos media, em que a “Educação para os Media” tradicional se articule explicitamente com as Tecnologias da Informação e da Comunicação, enquadrando-se como dimensão com conteúdo próprio na Educação para a Cidadania.
Por seu lado, o CNE tem prestado, quase desde a sua fundação, uma atenção particular à relação da educação com os media e, mais especificamente, à Educação para os Media. São testemunho desse interesse continuado as publicações A Educação e os Meios de Comunicação Social, actas do seminário realizado em Dezembro de 1993, A Sociedade da Informação na Escola, relato de um debate realizado em 29 de Janeiro de 1998, 2ª ed. 1999 e o Parecer 2/98 sobre a mesma temática (ver anexo 2: Resumo das recomendações).
Em 2002 o Conselho dedicou uma publicação às Redes de Aprendizagem, Redes de Conhecimento e, ao longo de 2008 e 2009, organizou uma série de três seminários sob o título geral Cá Fora Também se Aprende, tendo o último, datado de 15 de Junho de 2009, sido dedicado aosmedia e ao seu papel na educação informal. Recentemente o CNE procedeu a uma audição com responsáveis da Direcção Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação e Ciência, designadamente o seu Director-Geral e o responsável técnico, naquele organismo, pelo Plano Tecnológico da Educação.
O CNE tem vindo ainda a participar num grupo informal constituído por representantes da Comissão Nacional da UNESCO, Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Gabinete de Meios de Comunicação Social, Ministério da Educação, UMIC – Agência para a Sociedade do Conhecimento e do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, da Universidade do Minho. Estas instituições “preocupadas com o papel que têm, ou devem ter, os media e o ecossistema comunicativo na moderna formação dos cidadãos e numa cidadania mais esclarecida e participativa (…) entendem que se torna urgente tomar medidas com vista a inscrever a literacia para os media nas prioridades da agenda pública…”.
Este grupo organizou em Abril de 2010, no CNE, um debate preparatório do Congresso Nacional sobre Literacia, Media, Cidadania, que teve lugar na Universidade do Minho a 25 e 26 de Março 2011.
Neste congresso foi discutido um estudo[3] encomendado pela ERC ao Centro de Estudos de Comunicação da Universidade do Minho, intitulado Educação para os Media em Portugal – Experiências, Actores e Contextos, que nos dá uma panorâmica da situação do país neste campo, situando-o no contexto europeu e internacional. Nas suas próprias palavras, a equipa que levou a cabo este estudo[4] pretendia que o conhecimento da situação do país no campo da Educação para os Media ajudasse “…a desenhar caminhos de futuro menos fragmentários, mais consistentes” (p. 13).
Apresentado e debatido este estudo no Congresso de Braga, os seus organizadores (entre os quais se inclui o CNE) aprovaram depois aDeclaração de Braga (anexo 3) sobre Literacia dos Media onde se propõe “tomar os media, tanto os mais clássicos como os de nova geração, não só como recurso e apoio, mas também como objecto de estudo e oportunidade de participação”.
Esta Recomendação insere-se, assim, numa orientação continuada, persistente e coerente do CNE. tendo-se também em conta as tendências curriculares actuais e as orientações de vários organismos internacionais.

2. Conceito adoptado
Como acontece muitas vezes com temas de estudo que não se enquadram numa disciplina académica, não existe propriamente uma definição única e clara de Educação para os Media, nem sequer um consenso quanto à sua designação.
“Educação para os Media” é a designação mais tradicional mas “Literacia dos Media” tem vindo a ser cada vez mais utilizada, sobretudo em documentos europeus como alternativa mais actual e sugestiva da inclusão dos novos media digitais. Na realidade, “literacia” refere-se aos saberes e competências que os cidadãos deverão adquirir e desenvolver nesse domínio e traduz a centração nos resultados, que se tornou uma preocupação dominante na educação a partir dos anos 90. Este domínio do saber deveria pois designar-se “Educação para a Literacia Mediática” e é esta a designação que a presente Recomendação adopta.
Embora haja muitas definições e diferentes entendimentos daquilo em que consiste (por exemplo, destacando mais a informação como o faz a UNESCO com a sua Media and Information Literacy, ou acentuando o acesso às novas tecnologias com a designação Digital Literacy, ou a leitura da imagem ou a prevenção dos perigos…), adopta-se aqui a designação “Educação para a Literacia Mediática” para sugerir que o mais importante não são os Media em si (os tradicionais, os novos e a convergência de ambos) mas o seu uso informado, crítico e responsável. Para esta literacia é consensual a existência de três tipos de aprendizagens:
. O acesso à informação e à comunicação – o saber procurar, guardar, arrumar, partilhar, citar, tratar e avaliar criticamente a informação pertinente, atentando também à credibilidade das fontes;
. A compreensão crítica dos media e da mensagem mediática - quem produz, o quê, porquê, para quê, por que meios;
. O uso criativo e responsável dos media para expressar e comunicar ideias e para deles fazer um uso eficaz de participação cívica.

Todas estas aprendizagens incluem naturalmente uma dimensão técnica mas não separada desta dimensão crítica, criativa e responsável.
Salientamos a capacidade generalizada e imediata de autoria que está na origem de novas preocupações de protecção de crianças e jovens, não só como vítimas de crimes alheios mas também como vítimas de si mesmos e do Estado. Há que reflectir e debater problemas como as identidades virtuais ou o ciberbullying; há que promover a tomada de consciência dos jovens de que imagens ou textos divulgados por leviandade podem persegui-los, de forma irreversível, durante toda a vida; há que participar na instituição de normas e limites ao uso que o Estado pode fazer de certas informações. Como diz Manuel Castells:
“À medida que a Internet se vai convertendo na infra-estrutura dominante das nossas vidas, a propriedade e o controlo do acesso a ela convertem-se no principal cavalo de batalha pela liberdade.”
É também esta capacidade que institui novas formas de participação social e política de que a eleição de Obama foi arauto e os movimentos de indignados ou as recentes revoluções árabes do Norte de África a confirmação, instituindo os agora chamados “mass media individuais”.
É também ela que possibilita e potencia a interactividade e formas de aprender mais activas, mais participadas, mais individualizadas e com mais sentido.
Esta Recomendação acentua, por isso, não apenas os aspectos preventivos e proteccionistas, mas também a preparação para os aspectos mais pró-activos, mais capacitadores que as NTIC proporcionam.
Pretende evitar, ultrapassar ou reduzir o “fosso digital” que se pode criar – que se está a criar – entre países, entre gerações, entre os que têm acesso e os que não têm acesso não só ao equipamento tecnológico mas também à formação para lidar com ele de forma crítica, criativa e responsável.

3. Historial: A educação para os media e as TIC na educação
Desde 1982, quando a declaração de Grunwald consagrou a importância dos media na vida de todos os cidadãos e o reconhecimento da necessidade de formação - portanto de “educação para os media”-, esta tem sofrido sucessivos e avulsos avanços e recuos.
As mudanças tecnológicas e digitais ocorridas desde então – a proliferação da televisão por cabo, dos videojogos, telemóveis, internet, redes sociais, … – ao mesmo tempo que tornaram esses conhecimentos, compreensão crítica e capacidades de autoria e comunicação cada vez mais necessários, como que desviaram os esforços oficiais para o apetrechamento tecnológico das escolas e para aprendizagens instrumentais por vezes bastante acríticas. Mas, mais recentemente, diversas instâncias europeias e internacionais, designadamente a UE, a UNESCO e o Conselho da Europa retomaram as preocupações mais propriamente educativas e voltaram a assumir a Educação para os Media no centro da sua acção neste domínio (por ventura por contraponto às tendências de desregulamentação do sector). Este ressurgimento acentua a necessidade de articular os conteúdos eminentemente reflexivos da literacia mediática com as competências interventivas potenciadas pelas modernas tecnologias de informação e comunicação (TIC).
Também em Portugal, paralelamente à Educação para os Media mais tradicionais (imprensa, rádio, cinema, televisão, vídeo…) que assentou sobretudo em dois ou três centros universitários, designadamente nas Universidades do Minho e do Algarve e na Nova de Lisboa, no Instituto de Inovação Educacional, do Ministério da Educação, em escolas e professores individuais e nalguns órgãos de comunicação social (Públicocom o Público na Escola, RTP e ainda o movimento das rádios locais) e que definhou a partir da década de 2000, estando a ser reanimada agora, 10 anos mais tarde, foi-se desenvolvendo um movimento de apetrechamento tecnológico das escolas e de formação de professores e alunos, sobretudo nos chamados novos media, onde se destacam:
- Projecto Minerva, a partir de 1985 e até 1994 que acentuou a formação de professores coordenadores responsáveis pela formação de outros docentes da respectiva escola;
- Programa Nónio – Século XXI, Programa de Tecnologias de Informação e Comunicação na Educação, lançado pelo ME entre 1996 e 2004 que privilegiou a produção de conteúdos por professores e escolas através de concursos;
A tendência de apetrechamento tecnológico atingiu expressão máxima no Plano Tecnológico da Educação (2007-2010). Este organizou-se em três eixos, sendo que o primeiro incluiu o apetrechamento tecnológico das escolas com quadros interactivos, computadores e sua ligação à internet; a sua manutenção através do Centro de Apoio Técnico das Escolas (CATE) e a sua dinamização através de equipas PTE[5] e do apoio técnico, concedido por professores das TIC, que dispunham primeiro de uma redução de horas lectivas e, actualmente, de uma redução da componente não lectiva.
Um segundo eixo de acção deste Plano Tecnológico na Educação incidia sobre a formação de profissionais de educação, designadamente de professores, constituída por três níveis, correspondendo o primeiro ao domínio das tecnologias digitais básicas, o segundo à capacidade de utilizar as tecnologias como recurso pedagógico em contexto educativo e o terceiro, mais avançado, à capacidade de utilização das tecnologias digitais em contexto de inovação e investigação educacional.
O Plano entendeu proceder ao reconhecimento e certificação das competências do nível 1, que já estariam disseminadas no universo docente. A aposta formativa incidiu sobre o segundo nível, constituído por quatro acções de formação, iniciadas em 2010, ano em que 1/3 dos docentes foi abrangido pela primeira acção, mas cuja continuidade se desconhece. O terceiro nível, que não chegou a ser oficialmente regulado, consistiria numa formação académica de 2º ciclo, a ser ministrada por estabelecimentos de ensino superior.
Um terceiro eixo do Plano Tecnológico referia-se aos conteúdos e tomou formas diversas, mas pontuais, desde apoio a blogues educativos, através do Portal das Escolas, à realização do concurso Conta-nos uma história através de um podcast na educação ou de webinaresquinzenais para auto-formação dos professores.
Prevaleceu um certo grau de indefinição sobre o papel do Estado na produção de conteúdos, uma vez que essa é também uma área de actuação das editoras do sector privado. A aposta passou, sobretudo, pelo estímulo à produção de conteúdos pela comunidade educativa, num contexto de produtor/utilizador. Esse estímulo consubstanciou-se, essencialmente, na criação e manutenção do Portal da Escola, onde os produtos digitais podem ser distribuídos, e pela validação científica e linguística dos conteúdos disponibilizados.
Houve, portanto, um esforço significativo do Estado português na modernização tecnológica das escolas, que está bem patente no relatório do GEPE “Modernização Tecnológica das Escolas 2009/2010”. A relação nº alunos/computador nas escolas básicas e secundárias melhorou de 11,7 alunos para um computador em 2004/2005, para cerca de 2,05 em 2009/2010. A melhoria é ainda mais significativa se considerarmos os computadores com ligação à internet, onde a disponibilidade era de um por cada 16,1 alunos em 2004/2005 para um valor próximo de um para 2,2 alunos em 2009/2010.
Embora o esforço de modernização tenha sido comum a estabelecimentos públicos e privados, foi mais intenso nos primeiros, permitindo-lhes passar de uma situação significativamente desfavorável em 2004/2005 para uma ligeiramente favorável em 2009/2010: o número médio de alunos por computador e de alunos por computador com ligação à internet era, respectivamente, 12,8 e 18,2 nos estabelecimentos públicos e 7,3 e 9,5 nos privados e passou, respectivamente, a 1,9 e 2,1 nos estabelecimentos públicos e 2,3 e 2,5 nos estabelecimentos privados.
De referir ainda que o maior progresso se registou no primeiro ciclo do ensino básico, onde, quer no ensino público quer no privado, existia em 2009/2010 um computador por aluno. O segundo melhor resultado registou-se no ensino secundário privado, com 3,2 alunos por computador, enquanto nas escolas públicas, é no ensino secundário que se regista o pior ratio, com 3,7 alunos por computador.
Importa sobretudo fazer notar que se não tiver continuidade, este enorme esforço que o Estado fez terá sido em vão. Com efeito, o equipamento informático tem um tempo de vida relativamente curto e a manutenção de um parque informático funcional exige um investimento continuado, em reparações e substituições. Vale também a pena notar que estes são valores médios, que não devem escamotear a persistência de manifestas insuficiências pontuais, que urge ainda suprir.
No caso do presente esforço de reequipamento acresce uma preocupação adicional: este assentou fortemente, sobretudo no 1º ciclo do ensino básico, na distribuição de computadores Magalhães no âmbito do programa E-Escolinhas. Ora, de acordo com o modelo assumido, estes são propriedade dos alunos e não das escolas, sugerindo que os números indicados no relatório são transitórios e se poderão degradar rapidamente. Com a suspensão recente do programa, essa degradação estará já em curso, podendo, a curto trecho, restabelecer, sobretudo no ensino básico, números mais próximos dos de 2004/2005. Esta situação sugere que os futuros programas de reequipamento devem centrar-se nas escolas e não nos alunos, ainda que estes possam e devam ter um usufruto pleno dos equipamentos, no espaço escolar e extra-escolar, durante o período em que estão inscritos nos estabelecimentos de ensino.
Apesar de os media – sobretudo dado o desenvolvimento exponencial das NTIC – serem reconhecidos como uma dimensão imprescindível da cidadania democrática, a verdade é que este esforço de apetrechamento tecnológico não foi acompanhado de uma Educação para a Literacia Mediática que beneficiasse das experiências anteriores com os “media tradicionais”, capacitando os cidadãos para uma intervenção informada, crítica e responsável.

4. Situação curricular actual
Nas últimas décadas ocorreram transformações profundas nas teorias e práticas curriculares. A centração nos resultados levou à necessidade de definição de “metas de aprendizagem” ou de “perfis de saída” dos alunos no final dum ciclo escolar. O currículo deixou de ser visto como um conjunto de programas das disciplinas académicas (estruturadas a partir da lógica das disciplinas) e sim, de forma mais ampla, como os caminhos passíveis de levar um aluno do ponto em que se encontra relativamente a determinada capacidade ou conhecimento, à “meta” definida como necessária para essa capacidade ou conhecimento.
Em 2001, uma “reorganização curricular do ensino básico” envolveu a reformulação de alguns programas em termos de competências a desenvolver, a definição de aprendizagens transversais a todas ou algumas disciplinas (Educação para a Cidadania, Língua Portuguesa e Novas Tecnologias da Informação e da Comunicação) e a criação de três Áreas Curriculares Não Disciplinares (Área de Projecto, Formação Cívica e Estudo Acompanhado). Iniciou-se um processo semelhante ao nível do Ensino Secundário, aqui juntamente com a criação de diferentes vias de prosseguimento dos estudos ou mais profissionalizantes.
Em 2002 (Dec.-Lei nº 6/2002) foi introduzida a disciplina de TIC no currículo do 9º ano de escolaridade, em 2004 (Dec.-Lei nº 74/2004) o mesmo acontece no 10º ano, sendo que, a partir do ano 2007, ela foi sendo retirada dos curricula do ensino secundário regular e artístico especializado, sendo hoje discutida a sua permanência no 9º ano.
Em 2010, perante a sobreposição de documentos programáticos e a indefinição relativamente às “aprendizagens de vida”, foram encomendados dois estudos curriculares: um documento definidor de “Metas de Aprendizagem” para o Ensino Básico que incluísse “metas” para várias disciplinas, designadamente para a aprendizagem das Novas Tecnologias Digitais; e uma Proposta Curricular de Educação para a Cidadania que constituísse um documento clarificador dessa matéria e da sua inserção curricular (área transversal a várias disciplinas, Área Curricular Não Disciplinar de Formação Cívica, “meta” a prosseguir quer por todas as disciplinas, quer pela organização e vida na escola, quer ainda por actividades extra-curriculares).  
A Proposta Curricular de Educação para a Cidadania procurou ultrapassar algumas das dificuldades que se colocam à inserção curricular das aprendizagens transversais/aprendizagens para a vida, como a Educação para os Media:
- Uma dessas dificuldades consistiria na inexistência de espaços e responsáveis próprios, tornando as aprendizagens que caberia a todos os professores promover, responsabilidade de nenhum. É importante, por isso, a existência do espaço/tempo de Formação Cívica, propondo-se a nomeação do director de turma como professor coordenador dessas aprendizagens transversais;
- Uma outra dificuldade consistiria na acumulação de aprendizagens avulsas levando a escola a descurar as “aprendizagens básicas estruturantes”. O trabalho conjunto dos professores de uma turma e o recurso a instrumentos e dispositivos como os “portefólios”/passaportes dos alunos poderá permitir envolver ”aprendizagens de vida” e “aprendizagens estruturantes” desde que exista um enquadramento que esclareça os objectivos comuns (traduzidos em perfis de saída dos alunos) a todos os professores.
A Educação para a Literacia Mediática surge na Proposta Curricular de Educação para a Cidadania de vários modos:
- As “Competências Processuais” inerentes à Educação para a Cidadania incluem competências inúmeras vezes referidas como essenciais à Educação para a Literacia Mediática: é o caso das competências relativas ao sentido crítico e criatividade ou à capacidade de comunicação e argumentação – que se concretizam, por exemplo, na procura e tratamento da informação para determinado objectivo ou na sua partilha e comunicação;
- As “Áreas Nucleares” (mais próximas dos “conhecimentos” e dos “objectivos cognitivos”) incluem conteúdos a promover quer ao nível de certas disciplinas (Língua Materna, Língua Estrangeira, História, Educação Física …), quer da Área Curricular Não Disciplinar de Formação Cívica. A adequação das “linguagens” aos seus suportes mediáticos por exemplo poderá ser objecto de estudo na Língua Materna ou na Língua Estrangeira; a compreensão dos conceitos de direito à livre expressão ou do direito à informação ou ainda a compreensão da importância e do papel dos media e das NTIC numa Democracia poderão ser promovidas na História e na Formação Cívica.
Finalmente, os “perfis de saída” para os 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico e para o ensino secundário revelam como é possível integrar as aprendizagens disciplinares e da Formação Cívica e ainda pensar toda a organização da escola e das suas actividades extra-curriculares (por exemplo, criação de blogs ou jornais de turma), orientando-as numa perspectiva de capacitação dos alunos e de Educação para a Cidadania.

5. Recomendações
Num momento em que, em Portugal, se está a retomar a reflexão sobre os curricula dos ensinos básico e secundário, pareceu pertinente ao CNE intervir neste processo através de recomendações a enviar ao Governo e à Assembleia da República.
Assim, dada a importância que a comunicação mediática hoje tem e se antevê que cada vez mais tenha, o CNE apoia as iniciativas de Educação para a Literacia Mediática para todos e recomenda:
    1. Que se promova a Literacia Mediática entendida como um conjunto de saberes e capacidades relativos às três dimensões de acesso, compreensão crítica e utilização criativa e responsável (Ver ponto 2. desta Recomendação - Conceito adoptado);
    2. Que se garanta a formação (técnica e pedagógica) de professores, responsáveis de bibliotecas e centros de recursos e outros agentes educativos, estudando-se as possibilidades de prossecução das actividades de formação já iniciadas e programadas pelo Plano Tecnológico da Educação e de adaptação e divulgação do currículo proposto pela UNESCO para agentes educativos – entre outras medidas formativas indispensáveis;
    3. Que se proceda à inserção organizacional e curricular da Educação para a Literacia Mediática na Educação para a Cidadania, através de aprendizagens transversais (competências processuais) em todas as disciplinas e de aprendizagens específicas, a trabalhar em disciplinas e nas Áreas Curriculares Não Disciplinares apropriadas (Formação Cívica); que essa inserção organizacional e curricular seja dinamizada por um professor coordenador;
    4. Que se estude e avalie as necessidades de aprendizagem técnica dos alunos, tendo ainda em conta necessidades específicas de alguns alunos e do Ensino Especial, em articulação com a continuidade do esforço de equipamento das escolas, sua manutenção e actualização;
    5. Que se fomentem as oportunidades de aprendizagem extra-curricular de Educação para a Literacia Mediática;
    6. Que se estabeleçam parcerias nos planos local, nacional e internacional, entre entidades preocupadas com a educação para a literacia mediática, designadamente bibliotecas, e os próprios media, e se apoiem iniciativas relativas aos media promovidas por essas entidades (por exemplo com a criação de Um Dia Com Media nas escolas no dia 3 de Maio, consagrado internacionalmente à Liberdade de Imprensa);
    7. Que se apoiem estudos e investigações relativos à Educação para a Literacia Mediática, articulando esforços com outros parceiros da área, designadamente, colaborando na criação de um Observatório sobre Educação para os Media
    8. Que se invista numa formação que abranja um público mais alargado, com prioridade para certos grupos-alvo como os idosos, pessoas com deficiência, pais, minorias e grupos desfavorecidos;
    9. Que se continue a estudar a problemática da produção, validação e distribuição de conteúdos educativos digitais. Neste âmbito, recomenda-se desde já o aprofundamento do apoio à produção de conteúdos criados por utilizadores e a articulação com outros países da CPLP.
Versão integral da Recomendação sobre Educação para a Literacia Mediática:


[1] In “Recomendação sobre literacia mediática no ambiente digital para uma indústria audiovisual e de conteúdos mais competitiva e uma sociedade do conhecimento inclusiva”, Comissão Europeia, 20.08.2009 
[2] Nalguns países – por exemplo Suécia, Irlanda, Reino Unido – a literacia mediática já faz parte do currículo escolar
[4] PINTO, Manuel, PEREIRA, Sara, PEREIRA, Luís, FERREIRA, Tiago Dias, Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho

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