Uma comunicação que dialoga com o outro


Compartilhamos abaixo entrevista do Jornal Mundo Jovem com o sociólogo Pedrinho Guareschi (Professor e pesquisador da UFRGS, autor dos livros Sociologia Crítica e Psicologia Social Crítica):
Neste mês de setembro iniciamos o ano de comemoração dos 50 anos do Mundo Jovem. Neste período, em todas as edições lembraremos um tema que teve destaque ao longo da existência do jornal, para resgatar a história e propor um debate para os dias atuais. E começaremos com o tema da comunicação. Não só porque o Mundo Jovem é um veículo de comunicação, mas porque ela interfere decisivamente em nossa vida. E convidamos para esse debate Pedrinho Guareschi, que acompanhou toda história do Mundo Jovem e foi quem mais escreveu sobre esse assunto em nossas páginas.
  • O que a comunicação representa na vida das pessoas?
    O tema comunicação é um dos mais discutidos nos dias de hoje, até porque nós vivemos a era da comunicação, em uma sociedade midiada. Na verdade, a comunicação se transformou quase que numa ambiência social. Ela nos rodeia por todos os lados. Ela é como se fosse a água para o peixe, como se fosse o ar que respiramos. Para todo lado que viramos, vemos a comunicação. A comunicação já é quase uma extensão, uma prótese do ser humano. E isso vai aumentando cada vez mais. Agora, com as redes sociais, vemos pessoas que passam até dez horas por dia ligadas à rede. Já existem aparelhos de telefones celulares que incluem internet, televisão e outras redes: é a convergência midiática.
    Em relação aos veículos, há formas diferentes de produzir comunicação?
    Eu gostaria de refletir um pouco sobre o que é mesmo comunicação. Normalmente a ideia que se tem é que comunicação é quando se passa alguma informação de um para o outro. Na verdade, esse conceito se modificou radicalmente e profundamente. E essa mudança nós devemos muito ao pensador brasileiro Paulo Freire, quando escreveu o livro Extensão e comunicação. A partir da ideia de que não há aquele que sabe mais e outro que sabe menos, mas há o que sabe uma coisa e outro que sabe outra coisa, comunicação implica necessariamente o diálogo, a aceitação do outro e a participação do outro. É impossível uma verdadeira comunicação que não seja de fato uma interação com as pessoas.
    Então, só informação não é comunicação?
    O verdadeiro papel da comunicação não é passar simples informações, é estabelecer o debate nacional. O papel do jornalista e do escritor é levantar dados, informações, para que as pessoas possam julgar com critérios e fundamentos. Exemplo: a BBC de Londres é considerada como uma das melhores emissoras do mundo. Lá, uma notícia demora de cinco a sete minutos. O fato é apresentado e depois se começa a questionar, se contextualiza toda a problemática e não se dá respostas: quem vai formar opinião é o espectador e/ou o ouvinte da rádio. Isso é comunicação. No Brasil, os jornalistas dos grandes veículos parecem deuses do Olimpo, como se estivessem a dizer ou ditar normas para a população. Os grandes telejornais se transformaram quase que em aulas de catecismo, em que o "grande Pai" passa no fim do dia para os seus filhinhos, dizendo o que aconteceu e o que foi certo e o que foi errado. E isso é uma comunicação manipuladora, que não poderia ser chamada de comunicação.
    Como se dá a participação dos telespectadores, ouvintes de rádio ou leitores?
    As pessoas não são apenas recebedoras de mensagens na verdadeira comunicação, aquela que faz as pessoas pensarem. Fundamentalmente, comunicar é fazer a pergunta para que as pessoas comecem a refletir. A comunicação deve provocar para que se estabeleça o debate nacional de como nós queremos o nosso Brasil, a nossa cidade, a nossa sociedade. O Evangelho, na Bíblia, é um bom exemplo de verdadeira comunicação. Jesus apresenta uma mensagem em forma de parábolas, de enigmas que fazem as pessoas refletir. Já na sociedade grega só recebia o título de cidadão aquele que falasse, que levantasse e apresentasse o seu projeto. Os meios de comunicação hoje são a nova praça, a nova Ágora, encarregados de estabelecer esse debate nacional, em que todo povo deve opinar, expressar sua opinião, manifestar seu pensamento. E é interessante ver a relação que existe entre comunicação e educação. Freire dizia que a educação consiste em fazer perguntas e não em dar respostas; consiste em problematizar. Depois, através do diálogo, vai se discutindo e crescendo juntos. Essa é a questão séria da comunicação e, paralelamente, da educação. Aliás, comunicação e educação são irmãs gêmeas.
    O Mundo Jovem pode conjugar educação e comunicação?
    O Mundo Jovem tem um pé firme nas escolas. É um grande subsídio. Ouço dizer de educadores(as) que a grande força deles(as) para assuntos que interessam aos jovens é o jornal Mundo Jovem. A escola é um local privilegiado, e o bom do Mundo Jovem é que ele já carrega em si essa pedagogia, essa didática de não ficar dando respostas, mas de fazer perguntas. Principalmente que no final de cada matéria, que é curta, como devem ser hoje, existem perguntas para debate. E isso implica necessariamente o diálogo. Eu costumo dizer que uma das piores coisas do mundo é ficar dando respostas a perguntas que não foram feitas. O Mundo Jovem hoje representa o espaço onde se levanta o problema, a problematização. E, na minha opinião, ele consegue manter as escolas dentro dos problemas verdadeiros da juventude. Sei que o Mundo Jovem faz uma pesquisa a cada ano, em que os leitores apontam os problemas que querem que sejam debatidos.
    A escola também pode colaborar na formação de novos comunicadores?
    A difusão espantosa das redes sociais é um tema que me provoca. Gostaria de dizer que esta é, sim, o que chamamos de uma comunicação alternativa. É alternativa porque cai fora daquela comunicação tradicional, dos grandes meios. As mídias sociais, as redes sociais, são um passo à frente e decisivo que muda qualitativamente a questão da comunicação no Brasil e no mundo. Agora, eu gostaria de chamar a atenção para um ponto: de nada adianta essa modificação do meio alternativo se ele continua com a prática dominadora que os outros meios tinham, de só darem respostas, de serem os donos da verdade. Vem então o problema da formação, da educação dos novos comunicadores, que no fundo somos todos nós. Mas as pessoas que se dedicam a isso devem ter a consciência de que estão prestando um serviço às pessoas e não são detentores de uma verdade única. Isso é decisivo na minha opinião. Pode ser o meio que quiser, o importante é essa consciência.
    E a formação de jornalistas?
    O estudante, o candidato a jornalista, deve começar a ver pedagogicamente como ele pode prestar esse serviço. Evidentemente que ele deve ter um conhecimento amplo das questões. Não pode discutir questões que não entende. E não é só o jornalista que fala. Há pensadores, pesquisadores que têm muito a falar. Eles precisam ser colocados na mídia para fazerem a provocação e dizerem sua palavra. O jornalista é o que faz toda essa articulação para uma comunicação verdadeiramente democrática e participativa numa sociedade. Mas o ponto fundamental é ele saber que não é o dono da verdade, que não tem a última palavra. É verdade que, pelo fato de proliferarem muitos comunicadores nas redes sociais, muitos já têm a possibilidade de dizer a palavra, não só comunicadores específicos. Isso, em parte, é positivo, contanto que eles de fato possam ter sempre presente a importância de que estão prestando um serviço aos outros, com quem estão em contato, para a construção de uma sociedade justa e participativa.
    Sobre comunicação, que recado você daria para o jovem?
    Há uma grande diferença entre meio e mensagem. A mensagem é exatamente aquilo de mais profundo que nós queremos passar para os outros. Agora, o meio, ele varia enormemente. E nós temos hoje, através das redes sociais, diferentes maneiras de passar mensagens. Quando dizemos que não se deve ser autoritário na comunicação, não quer dizer que não se deve colocar os projetos. Devemos sempre colocá-los com essa alternativa ou com essa condição de que esse é o meu pensamento. Aí se estabelece realmente o debate e o diálogo. É através dessa prática argumentativa, na qual cada um diz o que pensa, em pé de igualdade, que se poderá ver e decidir qual será o melhor para a sociedade. O segredo é fazer que todos falem, porque todos têm projetos, opiniões, pensamentos. Daí que, quase misteriosamente, surgem alternativas para a solução dos problemas. Isso é fantástico e isso é de fato a comunicação: todos têm um saber. O meio deve propiciar a chance de falar.

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